sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sentimentos Dilacerados

Um dia você conheceu alguém que o (a) preencheria. Investiu suas emoções nesta pessoa que passou a ser tudo para você. Sonhou, traçou planos, metas, a relação ganhou corpo, solidificou-se.  Sua alma, segura, sofre um surdo golpe do “destino”. Sem te avisarem, você foi “morto(a)”.  Você não sabe bem como, pois toda a lógica interna ainda responde àquela relação que se foi em segundos, para o ralo, mas você não sente que foi. 

 Não entendeu ainda o que aconteceu. Não compreende que tudo ao redor, sua rotina, os lugares por onde acabou de passar, os mesmos de anos, não o serão mais. A sensação de assalto a sua vida. O que está acontecendo? Do fundo da alma, a dor que tenta localizar... por onde caiu e quebrou aquilo que até momentos atrás existia? estava aqui... Dor, desespero. Não é amanhã que se resolve. Em alguns segundos, cinco ou até quinze anos  desapareceram, como se tivessemos acordado de um sonho. Não te avisaram. Te mataram e você não viu.

Aqui não se trata de um conto, mas de uma possível descrição de um dos piores sentimentos que a humanidade não tolera: a traição. A sensação de luto, no caso, da perda de alguém que ainda vive, mas com outra pessoa, ou que simplesmente não o(a) quer por perto, é a sensação de estar morto(a). A traição  faz o traído sentir ao mesmo tempo  a repulsa,  não só de si mesmo que o(a) faz sentir-se o pior dos seres por ter se deixado levar por aquele(a) que te fez acreditar que o(a) amava, mas também por  aquele (a) que, por mais que tenha evaporado nesses últimos segundos, ainda vive atrelado a sua alma. E você não tem como se desmembrar agora. O peso da dor obscura da alma o(a) dilacera, por anos e anos. Muitos não superam. Morrem em parte.

O drama de Cristo no Gólgota, humilhado e ofendido, simplesmente por não ter feito nada, além de amor e dedicação. “Pai, perdoai-lhes. Eles não sabem o que fazem.” A sensação de se sentir profanado(a), cuspido(a), é a sensação  do Cristo. Morreu na cruz para nos salvar. Mas não entendemos nada.Jogamos a pedra na cruz. Continuamos com as cicatrizes que nos marcaram no Gólgota.  Não entedemos que a pedra lançada era contra o Cristo em nós mesmos.

Podemos encontrar na literatura alguns exemplos dessa sensação.  Um deles em  O Desprezo, do italiano Alberto Moravia que foi transformado em filme pelo cineasta Jean-Luc Godard, protagonizado por Brigitte Bardot. A história de um casal que começa a se dissolver à partir do momento em que Camille (Bardot) começa a desconfiar que seu marido, o roteirista Paul Jamal (Michel Picoli) está com intenções de empurrá-la para o produtor  Prokofiev (Jack Palance). O jogo que Camille começa a fazer com Paul, o leva aos limites da loucura tendo como pano de fundo,  a Odisséia de Homero.

Podemos ver o mesmo em Sem Olhos em Gaza de Aldous Huxley e em O vermelho e o Negro de Stendhal. Neste último, o desesperado Julien Sorel, não sabe o que fazer, pois está perdido de amor por Mathilde, que o despreza.  Um amigo ensina-lhe a política russa, ou seja, tratá-la como se não significasse mais nada para ele, inventando uma série de artifícios para conquistá-la. E a prática cruel funciona e Julien a tem diante de seus pés, implorando por seu amor. A sensação de traição ocorre devido a ignorarmos nossa própria cultura, não prestarmos atenção no que ocorre ao nosso redor; olhamos para nós mesmos a vida toda. Não nos  preparamos por ignorarmos os “mecanismos” que regem a sociedade, o que a maldade do mundo por séculos e séculos, resultado do medo da vida, gera.  Vigiai disse o Cristo, mas dormimos.
 
Alexandre Morillas Marques

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