Um dia você conheceu alguém que o (a) preencheria. Investiu
suas emoções nesta pessoa que passou a ser tudo para você. Sonhou, traçou
planos, metas, a relação ganhou corpo, solidificou-se. Sua alma, segura, sofre um surdo golpe do
“destino”. Sem te avisarem, você foi “morto(a)”. Você não sabe bem como, pois toda a lógica
interna ainda responde àquela relação que se foi em segundos, para o ralo, mas
você não sente que foi.
Não entendeu
ainda o que aconteceu. Não compreende que tudo ao redor, sua rotina, os lugares
por onde acabou de passar, os mesmos de anos, não o serão mais. A sensação de
assalto a sua vida. O que está acontecendo? Do fundo da alma, a dor que tenta
localizar... por onde caiu e quebrou aquilo que até momentos atrás existia?
estava aqui... Dor, desespero. Não é amanhã que se resolve. Em alguns segundos,
cinco ou até quinze anos desapareceram,
como se tivessemos acordado de um sonho. Não te avisaram. Te mataram e você não
viu.
Aqui não se trata de um conto, mas de uma possível descrição de um dos
piores sentimentos que a humanidade não tolera: a traição. A sensação de luto,
no caso, da perda de alguém que ainda vive, mas com outra pessoa, ou que
simplesmente não o(a) quer por perto, é a sensação de estar morto(a). A
traição faz o traído sentir ao mesmo
tempo a repulsa, não só de si mesmo que o(a) faz sentir-se o
pior dos seres por ter se deixado levar por aquele(a) que te fez acreditar que
o(a) amava, mas também por aquele (a)
que, por mais que tenha evaporado nesses últimos segundos, ainda vive atrelado
a sua alma. E você não tem como se desmembrar agora. O peso da dor obscura da
alma o(a) dilacera, por anos e anos. Muitos não superam. Morrem em parte.
O
drama de Cristo no Gólgota, humilhado e ofendido, simplesmente por não ter
feito nada, além de amor e dedicação. “Pai, perdoai-lhes. Eles não sabem o que
fazem.” A sensação de se sentir profanado(a), cuspido(a), é a sensação do Cristo. Morreu na cruz para nos salvar.
Mas não entendemos nada.Jogamos a pedra na cruz. Continuamos com as cicatrizes
que nos marcaram no Gólgota. Não
entedemos que a pedra lançada era contra o Cristo em nós mesmos.
Podemos
encontrar na literatura alguns exemplos dessa sensação. Um deles em
O Desprezo, do italiano Alberto Moravia que foi transformado em filme pelo
cineasta Jean-Luc Godard, protagonizado por Brigitte Bardot. A história de um
casal que começa a se dissolver à partir do momento em que Camille (Bardot)
começa a desconfiar que seu marido, o roteirista Paul Jamal (Michel Picoli)
está com intenções de empurrá-la para o produtor Prokofiev (Jack Palance). O jogo que Camille
começa a fazer com Paul, o leva aos limites da loucura tendo como pano de
fundo, a Odisséia de Homero.
Podemos ver
o mesmo em Sem Olhos em Gaza de Aldous Huxley e em O vermelho e o Negro de
Stendhal. Neste último, o desesperado Julien Sorel, não sabe o que fazer, pois
está perdido de amor por Mathilde, que o despreza. Um amigo ensina-lhe a política russa, ou seja,
tratá-la como se não significasse mais nada para ele, inventando uma série de
artifícios para conquistá-la. E a prática cruel funciona e Julien a tem diante de
seus pés, implorando por seu amor. A sensação de traição ocorre devido a
ignorarmos nossa própria cultura, não prestarmos atenção no que ocorre ao nosso
redor; olhamos para nós mesmos a vida toda. Não nos preparamos por ignorarmos os “mecanismos” que
regem a sociedade, o que a maldade do mundo por séculos e séculos, resultado do
medo da vida, gera. Vigiai disse o
Cristo, mas dormimos.
Alexandre Morillas Marques
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